30 de jan. de 2011

o homem light


Estamos a assistir ao fim de uma civilização, e podemos dizer que esta se encerra com a queda em bloco dos sistemas totalitários nos países do Leste da Europa. Ainda permanecem alguns redutos dessa mesma linha política e ideológica se bem que se anunciem por outro lado novas prisões para o homem, com outra roupagem e rostos bemdiversos.
Assim como nos últimos anos entraram na moda certos produtos light – o tabaco, algumas bebidas e certos alimentos –, também se foi gerando um tipo de homem que poderia ser qualificado como o homem light.

Qual é o seu perfil psicológico? Como poderia ser definido? Trata-se de um homem relativamente bem informado, porém com escassa educação humana, entregue ao pragmatismo, por um lado, e a bastantes lugares comuns, por outro. Tudo lhe interessa, mas só a nível superficial; não é capaz de fazer a síntese daquilo que recolhe e por conseguinte, foi-se convertendo num sujeito trivial, vão, fútil, que aceita tudo mas que carece de critérios sólidos na sua conduta. Nele tudo se torna etéreo, leve, volátil, banal, permissivo. Presenciou tantas mudanças, tão rápidas e num tempo tão curto, que começa a não saber a que ater-se ou, o que é o mesmo, faz suas afirmações como (tudo vale), (tanto faz) ou (as coisas mudaram). E assim
encontramo-nos com um bom profissional na sua especialidade, que conhece bem a tarefa que tem entre mãos, mas que fora desse contexto está à deriva, sem idéias claras, apegado – como está – a um mundo cheio de informação, que o distrai, mas que pouco a pouco o converte num homem superficial, indiferente, permissivo, gerando nele um grande vazio moral.

As conquistas técnicas e científicas – impensáveis até há bem poucos anos – trouxeram-nos progressos evidentes: a revolução informática, os avanços da ciência nos seus diversos âmbitos, uma ordem social mais justa e perfeita, a preocupação em aplicar os direitos humanos, a democratização de tantos países e, agora, a queda em bloco do comunismo. Porém, diante de tudo isto há que pôr sobre a mesa aspectos da realidade que funcionam mal e que mostram a outra face da moeda:


a) materialismo: faz com que um indivíduo tenha certo reconhecimento social pela única razão de ganhar muito dinheiro.


b) hedonismo: viver bem à custa do que quer que seja é o novo código de comportamento, o que atira para a morte dos ideais, o vazio de sentido e a busca de uma série de sensações cada vez mais novas e excitantes.


c) permissividade: destrói os melhores propósitos e ideais.


d) revolução sem finalidade e sem programa: a ética permissiva substitui a moral o que produz uma desordem generalizada.


e) relativismo: tudo é relativo com o que se cai na absolutização do relativo; brotam assim umas regras presididas pela subjectividade.


f) consumismo: representa a fórmula pós-moderna da liberdade.


Deste modo, as grandes transformações sofridas pela sociedade nos últimos anos são, ao princípio contempladas com surpresa, logo a seguir com uma progressiva indiferença ou, noutros casos, como necessidade de aceitar o inevitável. A nova epidemia de crises e rupturas conjugais, o drama das drogas, a marginalização de tantos jovens, o desemprego e outros factos da vida quotidiana admitem-se sem mais, como algo que está aí e contra o qual não se pode fazer nada.

Henrique Rojas, O Homem Light. Uma Vida sem Valores, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1994, pp. 7-9.

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